Reguladores de vários países das Américas e Caribe demonstraram, durante o primeiro dia do Fórum Ibero-americano de Regulação (FIAR 2024), como as agências podem utilizar a criatividade para encontrar soluções regulatórias para o saneamento rural. Promovido em parceria pela Associação Brasileira de Agências Reguladoras (ABAR) e pela Associação de Entidades Reguladoras de Recursos Hídricos e Saneamento Básico das Américas (Aderasa), o Fórum serve para trocar experiências e conhecimento que ajude as sociedades a superar os desafios que envolvem a prestação dos serviços públicos de recursos hídricos e saneamento. O primeiro dia do evento ainda teve apresentações sobre Parcerias Público-Privadas (PPPs) e sobre o Projeto Memorial Internacional da Água (MINA), da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa).
As boas práticas apresentadas durante o painel sobre regulação e sustentabilidade dos serviços de água e esgoto em zonas rurais ampliaram o atendimento de serviços de água e esgoto de várias regiões, sem depender da solução convencional das redes de saneamento. O diretor-geral da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (ARIS-SC), Adir Faccio, apresentou o processo de implementação do saneamento rural em Santa Catarina. A estratégia da agência aposta na descentralização do saneamento, o que abrange soluções individuais adaptadas às necessidades locais para atingir as metas estabelecidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento até 2033. Faccio destacou ainda a relevância do treinamento técnico para os municípios, que habilite gestores e profissionais a compreender as ações necessárias à implantação dos planos municipais de saneamento.
O diretor de Regulamentação Tarifária da Superintendência Nacional de Serviços de Saneamento (SUNASS/Peru), Sandro Huamaní, demonstrou como o modelo de avaliação da cota familiar contribuiu para cobrir custos de administração, operação e manutenção dos serviços de saneamento em áreas rurais do Peru. A cota familiar é uma espécie de tarifa paga pela população rural do país para garantir a sustentabilidade financeira dos serviços de saneamento rural, que conta com 26 mil diferentes prestadores. Huamaní apresentou dados compilados entre 2019 e 2022 em um painel interativo para comprovar a eficácia da metodologia de cálculo da cota familiar, mais um recurso em busca da universalização da cobertura do saneamento. Segundo Huamaní, o envolvimento das organizações locais na gestão administrativa e o suporte técnico foram centrais na melhoria do saneamento rural no Peru.
Parâmetros de qualidade da água
O especialista da Autoridade Reguladora dos Serviços Públicos (ARESEP) da Costa Rica, Germán Rojas, apresentou o Selo Regulatório de Qualidade como uma ferramenta inovadora para regular os aquedutos comunitários em áreas rurais. A iniciativa padroniza condições administrativas, operativas e de qualidade da água, além de garantir a entrega de informações regulatórias de forma eficiente e pontual e franquear às comunidades o acesso a recursos hídricos de qualidade, por meio de uma gestão sustentável.
Organização comunitária
Em Honduras, a gestão dos recursos hídricos é realizada por meio da autogestão de cerca de 10 mil Juntas Administradoras de Água. Esses entes comunitários administram aquedutos rurais construídos na década de 1970. Segundo o chefe da Área de Regulação do Ente Regulador dos Serviços de Água Potável e Saneamento (ERSAPS) do país centro-americano, Juan Carlos Fuentes, 96% da população rural atendida pelas Juntas de Água possuem cobertura de serviços, embora a falta de recursos financeiros e insuficiência da assistência técnica frustrem planos de expansão do sistema e de melhorias dos níveis de qualidade da água ofertada.
A regulação deve se alinhar a princípios de justiça social, defendeu o diretor Regional da América Latina na organização não-governamental Water For People, Daniel Oporto. É possível assegurar o fornecimento de água no meio rural, por meio de organização de base comunitária e de ferramentas que regulem tarifas e promovam a sustentabilidade financeira por meio de tecnologia e micromedição, segundo Oporto, que apresentou uma abordagem sistêmica de experiências de saneamento rural observadas na Bolívia, na Guatemala, em Honduras e no Peru.
Referências para esgotamento sanitário
Para o consultor de água e saneamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), Christian Larrea, existem processos e instrumentos normativos que a regulação pode utilizar e contribuir para a universalização da cobertura do serviço de esgotamento sanitário atendendo ao meio rural. Segundo Larrea, a metodologia proposta pela OMS em seus guias de recomendações é crucial para enfrentar desafios como densidade populacional, escassez de água e riscos de contaminação em diversas regiões.
Capacitação em Soluções Alternativas
O moderador do painel e gerente de Informações Operacionais da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (ARSAE-MG), Otávio Hamdan, acrescentou que a ABAR lançou recentemente um projeto para auxiliar as agências reguladoras brasileiras na normatização de soluções alternativas que sejam consideradas adequadas, em termos técnicos e de sustentabilidade social, ambiental e econômica. O projeto atende não apenas o meio rural, mas também áreas desassistidas por redes de saneamento no meio urbano, como acontece em periferias.
Parcerias Público-Privadas
As Parcerias Público-Privadas foram o tema do primeiro painel da manhã. O diretor de Regulação Técnica da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), Gustavo Frayha, explicou as diferenças conceituais entre privatização, concessão e PPPs, de acordo com a legislação brasileira. Se, em uma privatização, o Estado vende ativos de forma definitiva, a concessão é um contrato em que o poder público delega a exploração de serviços públicos a particulares, por tempo determinado. As PPPs, explicou Frahya, são um tipo específico de concessão que envolve a colaboração entre os setores público e privado. O coordenador de Regulação Tarifária da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Renê Gontijo, apresentou benefícios e riscos das PPPs que devem ser avaliados antes da delegação de um serviço público. Se uma PPP permite a adoção de contratos de performance, monitoramento e avaliação de indicadores de serviço, harmonização de obrigações e definição de regras tarifárias e contábeis, por outro lado, há riscos como sobreposição de funções, segregação inadequada de responsabilidades, aumento da complexidade e burocracia, além de possíveis interferências contratuais.
Memorial da água
No segundo painel do dia, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) apresentou seu Projeto Memorial Internacional da Água (MINA). Com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, o MINA foi concebido para ser uma instituição dedicada a promover aprendizado, reflexão e exposições sobre a preservação e uso responsável dos recursos hídricos, com o objetivo de conscientizar e mobilizar a população para práticas que favoreçam o desenvolvimento sustentável e a conservação do elemento essencial à sobrevivência humana.