Fundadoras do Projeto Mulheres na Regulação, as pesquisadoras Michelle Holperin e Ana Luíza Calil criticam em artigo publicado pelo site JOTA na terça-feira (17/2) a falta de representatividade feminina nas diretorias das agências reguladoras brasileiras. Uma das fontes do levantamento apresentado é a Associação Brasileira de Agências Reguladoras (ABAR), que colaborou para a pesquisa informando os nomes de diretores e diretoras das agências associadas.
Abaixo, a reprodução do artigo.
Onde estão as Mulheres na Regulação?
Um retrato dos últimos anos – e o que se espera para 2025
Michelle Holperin, Ana Luíza Calil
17/12/2024
O movimento Mulheres na Regulação começou no final de 2022 com o objetivo de avançar a prática da regulação no Brasil, a partir do reconhecimento e do fortalecimento da presença feminina nos mais diversos setores que englobam o tema da regulação.
Naquela época, fizemos um breve levantamento da participação das mulheres nos colegiados das agências reguladoras federais e encontramos um cenário desafiador. Apenas 7 dos então 50 diretores em exercício nas 11 agências federais eram mulheres e 5 agências não possuíam nenhuma mulher em seus colegiados.
Em 2023, houve a indicação de duas mulheres para compor os colegiados da CVM e da Anac. A Anac era uma das agências que não tinha nenhuma mulher em seu colegiado na época e que, desde a sua criação em 2005, teve apenas duas diretoras.
Apesar da publicação no Diário Oficial da Mensagem 83, de 2 de março de 2023, com a indicação de uma servidora da casa com ampla experiência em cargos de liderança e dois mestrados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o processo de sabatina até hoje não foi deflagrado. Foi apresentada carta aberta ao presidente da República, mas não houve modificação desse cenário.
Posteriormente, ainda em 2023, foi realizado um segundo levantamento, no qual foram incluídos os colegiados das agências reguladoras infranacionais[1]. Enquanto as mulheres representavam 13,5% dos colegiados das agências reguladoras federais, nas agências infranacionais esse número era de 28%. Nos cargos de presidência, havia apenas 1 diretora-presidente dentre as federais e 9 nas infranacionais (cerca de 15%).
Em 2024, foi apresentado um manifesto[2] no XVI Fórum Iberoamericano de Regulação (FIAR). Para esta ocasião, fizemos um terceiro levantamento. Nas agências reguladoras federais, dentre os 50 diretores em exercício, incluindo os interinos ou substitutos, apenas 8 eram mulheres, representando 16% do total, com (ainda) apenas uma mulher como diretora-geral/presidente. Hoje, há apenas 7 (sendo uma interina), em função do fim do mandato da diretora da Anvisa, Meiruze Sousa Freitas, em 12 de dezembro.
Nas agências infranacionais, há 261 diretores em exercício. Destes, 188 são homens e 73 mulheres (28%) e com grande variação regional. Enquanto a participação das mulheres nas diretorias chega a 33,9% na região Norte, ela cai para cerca de 19,4% no Sul do país. Se considerarmos apenas diretores-gerais ou presidentes dentre as infranacionais, há 55 homens e 9 mulheres, o que totaliza 14% de mulheres ocupando a mais alta posição em uma agência reguladora infranacional.
Uma possível explicação para a baixa representatividade feminina nos colegiados é que há menos mulheres nos corpos técnicos das agências. As mulheres, no entanto, representam cerca de 35% da força de trabalho[3] das agências reguladoras federais, sendo maioria em 2 das 11 agências (Anvisa e ANS).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Portal do Raio-X do MGI e sites das agências
Utilizando apenas os dados do Painel de Raio-X, podemos concluir, precipitadamente, que o cenário nos cargos comissionados é mais favorável às mulheres, posto que a proporção de mulheres em cargos de comissão segue a proporção de mulheres no corpo técnico. No entanto, como apontado anteriormente em nossa coluna pelas professoras Waleska Monteiro e Tanise Brandão, esse tipo de agregação não reflete a realidade dos cargos de liderança no serviço público federal.
Assim, foi realizada pesquisa exploratória, por meio da Lei de Acesso à Informação, quanto ao número de mulheres ocupantes de cargos comissionados, de chefia e liderança[4] nas 11 agências federais. A requisição foi feita em 18 de novembro de 2024, considerada a data-base para os dados.
Dentre os resultados preliminares, destacam-se três achados:
- do total de 1.826 cargos de chefia e liderança ocupados nas 11 agências, 604 são ocupados por mulheres (33,08%);
- em nenhuma agência federal há mais mulheres que homens ocupando cargos de chefia e liderança;
- as situações mais díspares foram encontradas na Anatel e na Antaq, com apenas 18,57% de mulheres em cargos de chefia e liderança na primeira e 16,67% na segunda.
No início deste ano, saudamos a iniciativa do conselheiro Alexandre Freire, da Anatel, de encaminhar ofício ao recém-criado Comitê das Agências Reguladoras Federais (Coarf) sobre a promoção de agenda comum relativa à equidade de gênero. Lembramos também que, neste ano, 14 mandatos se encerrariam entre as 11 agências e que esta era uma oportunidade de mitigarmos o problema da baixa representatividade das mulheres nas esferas decisórias da regulação nacional.
Há, hoje, 7 posições vagas nos colegiados das agências[5] e 5 ocupadas interinamente[6]. Três mandatos se encerram ainda em 2024[7] e 12 em 2025[8], excluídos os interinos. Há, portanto, 27 indicações que precisam ser feitas pelo presidente da República e aprovadas pelo Senado, 12 imediatamente e 15 no futuro próximo.
A baixa representatividade feminina nos colegiados das agências reguladoras persiste como um desafio crítico para a equidade de gênero e a diversidade no cenário regulatório brasileiro. Os dados levantados nos últimos anos têm sido um farol para evidenciar e pressionar por mudanças concretas.
Apesar de avanços pontuais, as ações permanecem aquém do necessário. A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social; é uma demanda por qualidade regulatória. O compromisso com a representatividade feminina é um compromisso com a excelência e a legitimidade das instituições reguladoras. A hora de agir é agora.
*
No final desta segunda-feira (16), foram feitas 14 nomeações para 8 agências reguladoras federais, cujos despachos podem ser acessados aqui e aqui. Foram indicadas 4 mulheres e 10 homens, no total. Apenas homens foram indicados para o cargo de diretor-geral/presidente (ANP, ANS, Anac, Anvisa e ANTT). Curiosamente, a única agência que conta com uma diretora-geral/presidente também foi a única a ter maioria de mulheres indicadas (2 de 3 nomes). Se aprovados, a ANA terá em uma única diretoria mais mulheres que agências como Anac, ANP, ANTT, Antaq, Anatel e ANM tiveram em toda a sua existência.
[1]
Os dados referentes às agências infranacionais foram cedidos peça Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR), a quem agradecemos muitíssimo pelo apoio.
[2]
A conselheira-presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul, Luciana Luso de Carvalho, representou o Mulheres na Regulação no evento.
[3]
Segundo o Painel de Raio-X, Força de Trabalho inclui “aqueles servidores efetivos e comissionados, com e sem vínculo permanente com a Administração, inclusive profissionais contratados por tempo determinado (temporários), efetivamente em exercício no órgão ou entidade”. Já a seção de Cargos e Funções apresenta informações e números sobre os cargos e funções comissionadas da Administração Federal.
[4]
No pedido feito via LAI, foi solicitado o quantitativo de mulheres em cargos de liderança (direção e chefia) equivalentes ao DAS e FCPE de níveis 4, 5 e 6.
[5]
Nas seguintes agências: Anac (1), Anvisa (1), Anatel (2), Aneel (1), Ancine (1) e ANM (1).
[6]
Nas seguintes agências: Anac (1), Anvisa (1), ANA (2), ANP (1).
[7]
Um na Anvisa, um na ANS e um na ANP.
[8]
Nas seguintes agências: Anac (2), ANTT (2), Anvisa (1), ANA (1), ANS (1), Antaq (1), Anatel (1), Aneel (1) e ANM (2).logo-jota
Michelle Holperin
Economista, mestre e doutora em Administração Pública pela EBAPE/FGV. Coordenadora do Projeto de Boas Práticas Regulatórias do UERJ Reg. Fundadora e coordenadora do Projeto Mulheres na Regulação
Ana Luíza Calil
Doutoranda em Direito Administrativo (USP). Assessora Especial no Supremo Tribunal Federal. Pesquisadora do UERJ Reg. Membro do Núcleo de Inovação na Função Pública (SBDP). Cofundadora do Projeto Mulheres na Regulação