Proposta de Emenda à Constituição 4/2018, que ainda será votada na Câmara, busca garantir o acesso à água potável para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento socioeconômico
Uma semana após o Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março, o Senado Federal aprovou, em 31 de março, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 4/2018, que estabelece o acesso à água potável como um dos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 5º da Constituição Federal. A proposta, de autoria do agora ex-senador Jorge Viana (PT-AC), foi aprovada por unanimidade em dois turnos e remetida na quarta-feira (7/4) à Câmara dos Deputados, onde também será votada em dois turnos.

O relator da proposta, senador Jaques Wagner (PT-BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), destacou em seu parecer que cerca de 33 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Abastecimento de Água (SNIS). Além disso, o senador baiano também mencionou a contribuição da PEC para a garantia do recurso natural no âmbito judiciário.
Em seu relatório, Wagner ressalta que “a inclusão expressa do direito à água potável no rol dos direitos e garantias fundamentais é uma inovação constitucional importante no sentido de fortalecer o marco regulatório doméstico e de reforçar políticas públicas voltadas à universalização do acesso à água no Brasil, sobretudo para atender a parcela mais vulnerável da população”. De acordo com o relator, cerca de 45% dos habitantes da região Norte e 30% da população da região Nordeste não têm acesso à água tratada.
O relator afirma que a aprovação da PEC é fundamental para combater a tendência de privatização e elevação do custo da água, o que dificulta o acesso por parte da população mais vulnerável. “Há situações em que o exercício do poder está associado ao domínio das águas e ao controle sobre o seu acesso. Portanto, é necessário que as nações estabeleçam marcos globais de compartilhamento de recursos hídricos para evitar tais conflitos, garantindo, assim, que todos os seres humanos tenham o direito de acesso à água”.
A PEC E A REGULAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
Na avaliação da engenharia ambiental e sanitarista Luíza Burgardt, gerente de fiscalização da Aresc (Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina), é preciso diferenciar “água” de “água potável”. “O primeiro é um recurso natural de domínio público regido pela Política Nacional de Recursos Hídricos, sob tutela da União e dos Estados. O segundo é um serviço público regido pela Lei de Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico, sob tutela dos Municípios, cujos padrões de potabilidade são estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, informa.
De acordo com a gerente, para a água tornar-se potável é preciso segurança hídrica, infraestrutura instalada, aplicação de tratamento, monitoramento dos padrões de potabilidade, visando o controle da qualidade da água, e toda uma estrutura de distribuição, além de um prestador desse serviço. Ela lembra que o abastecimento público e o saneamento básico como um todo são essenciais para a saúde pública, cuja relação foi reforçada ainda mais nessa pandemia, dado que higienizar as mãos é uma medida importante de combate ao coronavírus.
A partir de 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a reconhecer o direito de acesso à água de qualidade como um direito fundamental, em harmonia com os direitos à vida, à saúde e à garantia da dignidade humana. “Colocar a água potável como direito fundamental reforça a universalização de acesso ao serviço público de abastecimento de água, que é um dos princípios fundamentais do Marco Regulatório de Saneamento Básico, o qual estabelece como meta contratual, pelo advento da Lei nº. 14.026/2020, o atendimento de 99% da população com água potável até o final de 2033”, destaca Luíza.
Ela acredita que, para que esse direito seja assegurado a todos os brasileiros, é necessário que se fortaleçam as políticas públicas de saneamento básico e a governança entre os diferentes atores e se estabeleçam mecanismos regulatórios com esta finalidade. “Por isso, a regulação, que mantém em equilíbrio os interesses do setor, se torna um dos componentes essenciais para atingir as metas de universalização e garantia de acesso à água em quantidade e qualidade suficientes para um padrão digno de vida”, conclui Luiza.