Entrevista a Milton Wells (mwells.revistamodal@gmail.com)
Nas últimas semanas, o professor Luiz Afonso dos Santos Senna vem recebendo felicitações por sua indicação – primeiro como conselheiro e depois como presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) –, de potenciais investidores de todo o país.
De todos tem ouvido opiniões de que se sentem seguros em participar das concessões no RS, graças à sinalização do governo do estado de fortalecer a agência reguladora . “Ao reconhecer a delegação de poderes à instituição, o governo do estado assegura um ambiente regulatório às concessões e, ao mesmo tempo, contribui para resgatar uma imagem de respeito aos contratos”, disse Senna nesta entrevista a MODAL.
A seguir, leia seus principais trechos:
Quais seriam as suas principais metas como presidente da Agergs?
A Agergs é uma agência muito interessante por ser multissetorial. E nós queremos ser reconhecidos como a melhor agência multissetorial do país. Existem outros tipos de agências que são dedicadas a uma ou duas áreas, todavia a Agergs atua em todas as áreas e, como tal, terá muitos desafios daqui para frente. Podemos citar, por exemplo, a questão do gás que está próxima de receber um novo marco regulatório no país; a área da água e do saneamento, que recentemente recebeu um novo marco por meio de projeto de lei sancionado pelo presidente da República. Temos ainda no estado a questão dos transportes metropolitanos e intermunicipais que devem passar por licitações. Assim, vamos ter de focar várias áreas de forma simultânea. O fato de ser uma agência multissetorial nos capacita a transpor conhecimento de áreas mais avançadas para as que estão menos avançadas na regulação de questões econômico-financeiras dos projetos; auxiliar o governo nas novas concessões e também usar know-how multissetorial para qualificar as áreas e levá-las para um patamar mais elevado. A nossa função é manter os contratos ao longo do tempo e o nível que aquele contrato busca materializar.
O senhor chega à Agergs justamente em momento histórico para o RS, dado o portfólio de concessões previsto?
É uma responsabilidade muito grande da instituição, justamente nesse momento, em relação ao estado e também em relação às discussões sobre as agências reguladoras no país. Vemos o governo de São Paulo querendo minimizar o papel das agências, enquanto o Estado ensaia uma espécie de captura dessas instituições, ao contrário do RS que valoriza o papel da agência reguladora. O estado do RS propôs um portfólio muito amplo que inclui privatizações e concessões e a Agergs terá um papel fundamental que é o de passar para o mercado e potenciais investidores que esse estado é sério e que a agência tem a principal função de preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.
A instituição está à altura desse desafio em termos de estrutura?
As agências reguladoras, no país, em regra geral, foram crescendo de uma forma que não é recomendável. A agência tem de ser 90% inspiração e o restante de transpiração que é a área de fiscalização física. Hoje, o grande desafio das agências – e a Agergs é uma das que detém a estrutura mais simplificada – é de crescer em áreas que podem ser substituídas pela tecnologia. Não podemos eliminar a fiscalização das pessoas, mas temos um espaço para usar a inteligência e a força. Temos cerca de 70 colaboradores cujo quadro deve ser completado por meio de concurso para que se tenha o número que necessitamos, mas com muita inteligência. A maior parte do trabalho de uma agência reguladora é econômico-financeira e uma das críticas que faço às agências é de que elas crescem muito na fiscalização e não necessariamente na inteligência. Nosso desafio é crescer justamente nesse ponto.
Qual a formação técnica do quadro da Agergs?
100% do quadro é de nível superior, muitos com mestrado e doutorado. São engenheiros, economistas, advogados, administradores de empresas com alta especialização nas áreas em que atuam. Somos reguladores em 295 municípios do RS, em que a maior parte do serviço é prestada pela Corsan, com outra parte por empresas privadas, o que deve avançar a partir do novo marco regulatório do saneamento. Outros municípios deverão optar por empresas privadas e o nosso papel é a fiscalização e a regulação econômico-financeira desses contratos. Além disso, temos convênio com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e toda a fiscalização das empresas de distribuição é feita pela Agergs. A parte dos estudos e relatórios é repassada para a Aneel.
Qual a origem dos recursos e o orçamento anual?
A Agergs recebe recursos de convênio com a Aneel e taxas de fiscalização e regulação por meio de convênios com municípios em relação ao saneamento e também de outras taxas de fiscalização. O orçamento é superavitário da ordem de R$ 25 milhões a R$ 30 milhões/ano.
Como a agência está se preparando para a fiscalização na área do gás que deve ter seu marco regulatório aprovado pelo Congresso?
É uma das áreas a mais que vamos fiscalizar. Já temos pessoas qualificadas para isso. Nós vamos olhar para o gás da forma que olhamos para os outros setores, porque continua sendo um monopólio. Assim, o regulamento nós já temos. A nossa preparação se dá no sentido de conhecer mais profundamente o mercado de gás, mas ainda restam algumas nuances que ainda serão definidas pela lei que está sendo votada. O que temos feito é o acompanhamento da parte legislativa. A Agergs não é poder concedente. Quem define o regramento pré-contrato é o estado. Vamos contribuir com nosso know-how, todavia a decisão de como será feito o contrato é do poder concedente.
Criadas em 1997, as agências reguladoras ainda são contestadas por alguns poderes políticos, sem falar nas concessões anteriores no RS. Como a Agergs vai se posicionar em termos de difusão da cultura regulatória que é inerente à concepção moderna de Estado?
Na realidade, temos vários instrumentos para dar maior visibilidade à Agergs. Temos até mesmo a parceria do governo para fazer isso. O governo sabe muito claramente que uma agência independente, com princípios sólidos e com alta densidade técnica, é fundamental para passar a imagem de segurança regulatória. Quais os mecanismos que vamos utilizar? Um deles é chegando à mídia das mais várias formas possíveis. A propaganda é uma delas, todavia a ênfase será nas ações que tomamos e que devem ser divulgadas. Quando penalizamos alguém com impacto relevante para a sociedade, a ideia é divulgar isso o máximo possível. Quando fui sabatinado na Assembleia, vi que as criticas de alguns setores são extremamente contundentes sobre alguns prestadores de serviço, e isso é uma das coisas que devermos agir muito rapidamente para que a sociedade saiba que estamos cumprindo plenamente a nossa missão. O fato é que a informação transmitida pela Agergs à sociedade é muito tímida, mas agora a ideia é sermos muito eloquentes em relação às ações que a Agergs desempenha. Obviamente não é só punir apenas, mas punir também, porque é uma das coisas em que se mostra a estabilidade e a respeitabilidade da agência. O investidor precisa cumprir com o contrato e, se alguma coisa não foi feita naquela contrato, é óbvio que ele tem de ser penalizado. Não existe influência política de quem quer que seja. Isso é parte do trabalho que pretendemos fazer para que a sociedade saiba e se sinta confortável em relação ao trabalho que a Agergs está fazendo. Nesse momento o objetivo é esse: assegurar ao investidor um ambiente regulatório confortável. Ele deve olhar para o estado e se sentir mais confortável, sabendo que existe uma agência forte e séria e que busque permanentemente o equilibro daquilo que foi pactuado. Eliminar o risco daquilo que foi pactuado e não aconteça.
Como vê os ajustes que o governo do RS pretende fazer na agência?
Existe uma lei que o governo deve enviar ao Legislativo para reestruturar a agência. São alguns ajustes que o governo está propondo por meio da Secretaria de Meio Ambiente, na qual somos vinculados e não subordinados. Vai haver uma discussão, mas a lógica das agências é muito interessante porque, na realidade, o poder Executivo indica os dirigentes que são submetidos ao crivo do legislativo. Cradas ainda na década de 1990, as agênias se defrontam hoje com outro cenário e a ideia do governo do estado é justamente esse, o de atualizar a instituição.
Alguma observação para concluir?
Nesse início de gestão estou muito satisfeito porque estamos vivendo uma mudança de página no estado, o que não é fácil. Tenho vivido, e você tem acompanhado junto comigo, a história das concessões no estado. Podemos dizer que acertamos algumas coisas, mas erramos muito O estado tem um passivo muito grande em relação às concessões. Temos de resgatar essa imagem e me sinto muito feliz de estar no meio desse resgate.
Parece até a mão do destino, não é mesmo? Você como presidente da Agergs, justamente nesse momento histórico do RS?
É a mão do destino. Procuro sempre ser transparente nas coisas que eu faço e me envolvo. Reconheço o esforço que o governo do estado está fazendo para esse resgate, inclusive identificando a importância da agência e dando os meios para ela poder cumprir com o seu papel. E com isso não estou fazendo propaganda do governador. É a pura ralidade. Espero que o estado possa avançar e atrair os investimentos necessários a fim de retomar a rota de seu desenvolvimento.02